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Turfeiras: Resumo de Tópicos - Clique para aceder directamente

Introdução

As turfeiras são ecossistemas de zonas húmidas, comuns nas zonas de interior dos Açores. Os solos são mal drenados, geralmente impermeáveis, o que provoca o seu encharcamento e anóxia. As espécies de plantas que aqui existem estão adaptadas à vida nestas condições. As turfeiras dos Açores são dominadas por briófitos de Sphagnum spp. Para estas estão identificadas as espécies de Sphagnum palustre, S. auriculatum, S. subnitens, S. papillosum, S. squarrosum, S. cuspidatum, S. lescurii, S. centrale, S.capillifolium e S. compactum. A turfa é um material de origem vegetal, formada principalmente por camadas de esfagno parcialmente decomposto.
As zonas altas da maioria das ilhas do arquipélago são ocupadas por vegetação húmida, principalmente por turfeiras, devido à entrada de grande quantidade de água quer através das chuvas e intercepção dos nevoeiros quer à presença de camadas endurecidas no solo ricas em Ferro, Alumínio e Manganês, que facilitam a sua impermeabilização.

Na maioria dos ecossistemas, o pH encontra-se próximo da neutralidade, no entanto nas turfeiras, o pH é bastante ácido. O Sphagnum “cria” um ambiente ideal para si próprio reduzindo a competição com outras plantas, pois a maioria não tolera níveis baixos de nutrientes ou ambientes ácidos, retendo assim enormes quantidades de água.




Funções

Foto 1: Drenos em zona de turfeira pastoreada com o objectivo de secar a mesma para facilitar o pastoreio.  Ilha de S. Jorge. Foto: Cândida Mendes.
Foto 2: Fenómenos naturais de erosão em turfeiras. Ilha das Flores.  Foto: Cândida Mendes.

As turfeiras formam reservatórios de biodiversidade e apresentam-se como ecossistemas raros e únicos no Mundo. Grande parte das tipologias de turfeiras são protegidas pela Directiva habitats e Convenção de Berna, o que as torna extremamente importantes por constituírem um grupo raro e pelo facto de serem elas próprias habitat de uma grande diversidade de espécies raras protegidas, tais como, o Juniperus brevifolia, Erica azorica, Culcita macrocarpa, Frangula azorica, Isoetes azorica e o Melanoselinum decipiens.

As turfeiras fazem parte do ciclo do Carbono, permitindo o seu armazenamento. A decomposição da matéria orgânica acelera quando o nível de água baixa, havendo uma maior libertação de CO2 para a atmosfera. A remoção da flora das turfeiras e o aquecimento global aceleram este fenómeno.

As turfeiras contribuem para o fornecimento e regulação da água. Segundo WELLS & HIRVONEN, 1988, durante períodos de elevada precipitação, aumenta a quantidade de água armazenada, sendo esta gradualmente libertada durante os períodos de baixa precipitação, intervindo no ciclo da água por via da regulação do fluxo (infiltração) da água. As turfeiras também regulam a escorrência superficial (Foto 1) e subterrânea (caudais das nascentes); suprimindo o aumento abrupto dos caudais após precipitação intensa; regulando ainda a erosão dos solos (Foto 2) e o microclima insular, favorecendo assim uma evapotranspiração muito elevada.

Estes ecossistemas são verdadeiros reservatórios purificadores de água, que nos Açores serve para o consumo humano. Retêm todas as substâncias transportadas pela água (iões metálicos, agentes patogénicos e outras substâncias tóxicas), diminuindo a sua concentração na água libertada. Existe um grande potencial para o tratamento de águas poluídas, sendo esta uma área em expansão. Se as condições geológicas forem adequadas e o ambiente pobre em oxigénio, a turfa pode transformar-se em carvão que, por ser inflamável, pode ser utilizado como combustível.




Classificação

De acordo com o teor de nutrientes e as características químicas da água, as associações vegetais dentro da turfeira, a topografia e as alterações por acção antrópica, distinguem-se vários tipos de turfeiras.

Turfeiras Minerotróficas

Neste tipo de turfeira, a quantidade de nutrientes disponível na turfa ou água do solo é significativamente mais elevada do que na água da chuva (EUROLA et al., 1984) . Quanto mais fina a camada de turfa, melhor o acesso aos nutrientes provenientes de camadas mais profundas e também o seu fornecimento externo da água.


Turfeiras de Base

Estas turfeiras normalmente apresentam pequenas dimensões que resultam do assoreamento natural ou semi-natural de um charco ou lagoa de uma bacia endorreica. Formam-se na base de vales endorreicos pronunciados. Representam muitas vezes uma fase avançada de evolução de uma lagoa. A impermeabilização destes locais ocorre devido à formação de uma camada de Ferro e Magnésio, designada de plácica, típica de solos vulcânicos onde se verificam altos níveis de precipitação. Nos locais onde ocorrem estas turfeiras dominam os materiais pomíticos (pedra-pomes).

Inicialmente a água e a turfa encontram-se carregadas de nutrientes (minerotróficas), havendo a tendência para evoluírem para uma situação em que os nutrientes derivam apenas dos existentes nas águas das chuvas (ombrotróficas). O aquífero freático encontra-se à superfície ou perto desta por razões topográficas. A flora é dominada pelo Sphagnum spp, com poucas espécies diferentes. (ex. Eliocharis multicalis).

Em zonas de média/alta altitude (acima de 500m), encontram-se com frequência associadas a zonas de explorações agro-pecuárias sendo frequentemente o único local que não foi alterado. Tal deve-se ao encharcamento e à presença de turfa, que não possibilitaram a sua mobilização (arroteia).

Nas zonas de vegetação natural são manchas que se restringem a zonas de acumulação de água, como pequenos vales, onde o encharcamento é extremo e não permite o desenvolvimento de espécies arbustivas ou arbóreas.

Esta tipologia de turfeiras é frequente em ilhas como Terceira, Pico e Flores. Em termos de micro-relevo (relevo da turfeira) os limites desta turfeira são ricos em hummocks (estruturas sobrelevadas), que podem ser originados através do movimento lateral de água que arrasta nutrientes das margens envolventes, possibilitando o desenvolvimento de espécies vasculares, mais exigentes quer em termos nutritivos quer em termos de oxigénio. Assim as águas minerotróficas que atingem a turfeira são provenientes do arrastamento pela encosta (nos extremos) e as águas ombrotróficas são provenientes da chuva e intercepção de nevoeiros (em toda a turfeira). A zona de hummocks é tanto mais larga quanto menos declivosa for a encosta envolvente, devido ao movimento lateral da água, que tende a ocorrer em profundidade nos locais mais declivosos. Na zona mais interior da turfeira encontram-se águas paradas, onde domina o lawn (zonas planas). Neste tipo de turfeiras a água está geralmente à superfície, ou perto desta.


Turfeiras Mistas

São as mais comuns dos Açores. Possuem um fluxo soligénico (aquífero freático mantido à superfície principalmente por movimentos laterais de água). De águas minerotróficas de origem interna ou externa à turfeira associado a águas ombrotróficas. Acentua a irregularidade no nível freático e aumenta ligeiramente a disponibilidade de nutrientes. Possui uma estrutura muito acentuada de hollows e hummocks, permitindo núcleos de mineralização activa e assim o avanço de numerosas outras espécies. As primeiras plantas a instalarem-se são o Politrychum commune e Juncus effusus. A situação mais estável verifica-se com o estabelecimento da Calluna vulgaris que fornece um micro-habitat rico em nutrientes e em abrigo, permitindo o avanço de outras espécies, Potentilla spp., Lysimachia azorica, Blechnum spicant, Lottus uliginiosus, Agrostis gracililaxa, Deschampsia foliosa, Luzula purpureo-splendans ou Holcus lanatus e vários briófitos (DIAS, 2007). Além destas podem aparecer o Dryopteris azorica ou o Juniperus brevofolia. Nos hollows aparecem o Eleocharis multicaulis e Hydrocotyle vulgaris.


Turfeiras de Encostas Florestadas

São a situação mais atípica mas a mais característica dos Açores. Geralmente as turfeiras de encosta não excedem os três metros de profundidade (WELLS & POLLET, 1983). Para que estas se desenvolvam, são necessárias condições específicas como: encostas declivosas; fornecimento de águas minerotróficas; substrato compacto, normalmente de origem lávica traquítica o que dificulta o enraizamento. Estas podem ser constituídas por duas sub-comunidades distintas: manto de Sphagnum spp. com uma fina camada de turfa; coberto de espécies arbóreas folhosas e tamanho reduzido, com dominância de espécies como o Laurus azorica, Vaccinum cylindraceum, Ilex perado spp. azorica e Erica azorica. Na turfeira existe um fluxo suficiente de água para manter o Sphagnum, mas ao mesmo tempo também é rico em nutrientes e oxigénio, o que permite suportar estratos superiores arbóreos.


Turfeiras Ombrotróficas

Esta tipologia de turfeiras está directamente relacionada com a disponibilidade de nutrientes, a qual depende primariamente das águas das chuvas (EUROLA et al., 1984). Corresponde a uma situação extrema de disponibilidade de nutrientes.


Turfeiras de Cobertura

Encontramos este tipo de turfeiras em áreas de cumeadas, cabeços, zonas planálticas estendendo-se também a encostas adjacentes, zonas de grande impermeabilização e pluviosidade. A entrada de águas provenientes da chuva é a principal responsável pelo fornecimento de nutrientes, sendo estas turfeiras bastante sensíveis às variações sazonais. No Verão a água movimenta-se sobretudo na horizontal, tornando-se minerotrófica transferindo nutrientes dentro do sistema da turfeira (DIAS, 2007). Possuem bastantes hollows, hummocks e uma grande diversidade de flora. Durante essa estação as turfeiras de cobertura jovens possuem poucos nutrientes, pois têm carência de turfa mineralizável. As turfeiras evoluídas têm um horizonte de turfa mais evoluído, podendo libertar-se grandes quantidades de nutrientes por mineralização dos hummocks o que permite um enriquecimento da flora.


Turfeiras Florestadas de Cedro

Neste tipo de turfeiras existe uma dominância pela espécie arborescente endémica Juniperus brevifolia. Diferencia-se das turfeiras mistas pelo desaparecimento de outras espécies arbustivas como Calluna vulgaris. O tapete de esfagno é quase contínuo, superior a 80%, profundo e estruturalmente dominante. Pode existir grande diversidade de plantas vasculares, embora bastante dispersas.


Turfeiras Sobre-Elevadas

As turfeiras sobre-elevadas desenvolvem-se em vales e bacias endorreicas profundas (WELLS & POLLET, 1983). Representam o estado evolutivo mais maduro das turfeiras ácidas, para o qual as restantes formações tenderão a evoluir nos Açores, se as características ambientais assim o permitirem. Encontram-se normalmente associadas a um complexo de zonas húmidas onde ocorrem outros tipos de turfeiras, mais jovens e incipientes.

Possuem bastante variedade de habitats formadores de turfa em que o centro (mais elevado) é ombrotrófico e as margens laterais (mais baixas) são minerotróficas, com algumas outras fontes de nutrientes provenientes de águas externas ou do aquífero profundo (EUROLA et al., 1984).

Existe zonação de vegetação em que domina um tapete de Sphagnum ao centro, uma turfeira mista nas margens com charcos em que existe um excesso tóxico de nutrientes não disponível para os seres vivos e uma turfeira florestada na periferia, de onde nascem linhas de água (DIAS, 2007). A profundidade destas turfeiras é de em média de 4m, havendo registo de turfeiras de 10m de profundidade (WELLS et.al., 1987). São as turfeiras mais ácidas (McQUEEN, 1990).

Foto 3. Pormenor de Sphagnum spp. Clique para ampliar.



Estado de Conservação e Ameaças

Foto 4: Arroteia de turfeira para implantação de pastagem. Ilha Terceira. Foto: Cândida Mendes.
Foto 5: Pastoreio em zonas anexas a turfeira. Ilha das Flores. Foto: Cândida Mendes.

Foto 6: Hummocks (zonas sobrelevadas) formados por efeito de pastoreio intensivo. Ilha de S. Miguel. Foto: Cândida Mendes.
Foto 7: Recolha de leiva na Lagoa do Fogo. Ilha de S. Miguel. Foto: Cândida Mendes.


As principais ameaças a este tipo de ecossistema são: arroteias plantação de árvores e transformação em pastagens para o gado ou a abertura de caminhos; pisoteio do gado [fotos 5 e 6], que pode levar ao romper da camada impermeável; colocação de fertilizantes nas pastagens circundantes (afectam a quantidade de nutrientes nas águas); abertura de canais para dar de beber ao gado ou simplesmente para secar a turfeira e ainda as espécies exóticas, normalmente espécies vegetais agressivas que aos poucos roubam o espaço às espécies características das turfeiras, acabando por substituí-las.

Sendo este um ecossistema tão raro e com funções extraordinariamente importantes, a remoção do tapete de Sphagnum poderá ter graves consequências no equilíbrio hídrico da ilha. Nesse caso, e de acordo com AZEVEDO & e FERREIRA (in press) surgem: o aumento da escorrência superficial, podendo levar a cheias como a que se sucedeu na freguesia da Agualva na ilha Terceira, em 2009; erosão e remoção dos solos; alteração do regime de recarga - maior sazonalidade ao invés de um regime permanente; alteração das características químicas da água, podendo surgir a contaminação e a longo prazo a diminuição da recarga de aquíferos, descaracterização da paisagem e alteração do microclima da ilha.



Informações Adicionais

Versão simplificada (brevemente).


BIBLIOGRAFIA

DIAS, E. & MENDES, C. (2007). Ecologia e Vegetação das Turfeiras de Sphagnum spp. da ilha Terceira (Açores) in Cadernos de Botãnica 5. Ed. Eduardo Dias. Angra do Heroísmo.

DIAS, E. & MENDES, C. (2008). As grandes ameaças das turfeiras dos Açores. in QUERCUS /Ambiente 9 /2008

DIAS, E. & MENDES, C. (2007). Turfeiras naturais dos Açores. QUERCUS /Ambiente 11 /2006

DIAS, E. & MENDES, C.(2005). Ecologia de algumas espécies de Sphagnum da ilha Terceira.

GASPAR, C., BORGES, P., CARDOSO, P., GABRIEL, R. , AMORIM, I., FRIAS, A. M . MADURO-DIAS, F. PORTEIRO, J., SILVA, L. & F. PEREIRA. 2009., Açores - Um retrato natural. Ver Açor Editores, Ponta Delgada.